MINHA PRIMEIRA VEZ*
Na primeira vez que eu fiz minha barba, eu não tinha uma barba.
Não que isso seja incomum. Vários garotos fazem a barba pela primeira vez aos 10, com os pais, brincando de serem homens. Ou aos 16, quando o bigode imberbe é ridículo demais para mantê-lo.
Mas acredito que não seja muito comum fazer a barba aos 27 anos e não ter nada para raspar.
Assim como muitos dos meus amigos, quando descobri a transexualidade eu já tinha terminado minha primeira puberdade.
A segunda começou ao fim dos 24.
Os dois primeiros anos de hormônio não foram... cabeludos.
A testosterona sintética que uso não me ajudou muito com os pelos faciais. Talvez minha genética não ajudasse, ou talvez eu estava querendo condensar anos de uma puberdade cisgênera em 2 de uma trans. A pressa faz parte do processo. O anacronismo é um companheiro constante nosso. Conheço vários caras trans com mais de 30 anos, mas metade deles parecem ter 15. Quase todos de caras peladas.
Para acelerar nossa experiência com a lâmia e a espuma de barbear, usamos produtos para crescer os fios. O mais popular entre nós é o Minoxidil 5%. Eu comecei a usá-lo no final de 2017.
Nas primeiras semanas meu rosto já estava preenchido.
De espinhas.
Ao fim de 6 meses eu já tinha alguns fiapos no rosto. Foi aqui que enfim tive minha primeira experiência de fazer a “barba” de fato.
Tudo já tinha sido comprado com antecedência. Anos de antecedência. Foi um desastre, mas foi um desastre maravilhoso. O geladinho do sabonete, o pincel contra o rosto, a lâmina na pele, o sangue escorrendo das espinhas que também tinham sido tiradas com os pelos e por fim, o pós barba que faz tudo arder. Linda experiência.
Fazer a barba para mim não significou necessariamente me “ver como um homem”. Não foi um rito de passagem da adolescência para a vida adulta, de garoto para homem. Para mim, foi mais sobre celebrar minha transgeneridade. Celebrar a conquista, e o que deveria ser um direito, de transformar meu corpo.